quinta-feira, dezembro 09, 2004

Banalização da palavra

Por definição a palavra é “som ou conjunto de sons articulados com uma significação”.
É a base da nossa linguagem e como nos mostrou Orwell a linguagem condiciona o pensamento.
A palavra tem em si o poder do conceito, da definição, do consenso, etc.


Acredito que todos nós vivemos por habituação, situações de rotina ou repetição que calejam a nossa vivencia, torna-nos insensiveis, previsiveis e cautelosos.

Um amigo meu que desde criança nunca teve televisão em casa, explicava-me outro dia que não conseguia ver certos filmes, de imagens fortes, porque nunca tinha sido exposto a essas imagens, e como tal, não criou a normal insensibilidade presente a todos nós para ver imagens violentas. Diariamente vemos nos noticiários mortes, miséria, decadência, e de certa forma tornamo-nos insensiveis a elas. Ao ponto de ficarmos conformados e nem sequer pensar.
Com a palavra acontece o mesmo, a repetição dela banaliza os conceitos. E muitas vezes conceitos muito importantes.

Lembro-me dos filmes antigos, que para alguem dizer “eu amo-te” era muito complicado, porque essa palavra tinha um poder tal que o conceito não era banal. Coisa que reconheço não acontecer hoje, a palavra amor é dita e redita a troco de aprovação, segurança, sexo, companhia. Banalizou-se e de certa forma penso que se perdeu um pouco do conceito que ela abarca.
Uma amiga muito próxima disse um dia que adorava, e que adorar era mais que amar. É uma forma de prolongar a palavra para além do conceito. É justo e coerente.

Para citar outras pessoas, falei á pouco com uma conhecida brazieira que reclamava que os portugueses eram pouco românticos, coisa que descordo, “se fosse no brazil teria 5 meninos todos os dias a pagar a bandas para me fazer serenatas á porta” não vou comentar a banalização da serenata.

Nesta história dos conceitos tambem há equivocos. Noutro dia (hoje so falo de outros dias e outras pessoas) um amigo experiente na idade, disse-me que uma namorada lhe tinha perguntado se ele o amava ou se amava o amor. Isto é se amava a ela, ou se amava o que sentia por ela, deste ponto de vista o que interessava aqui era o sentimento, e não a pessoa, importava o que essa pessoa lhe transmitia e lhe deixava transmitir, mas não ela em si, porque poderia ser outra desde que as condições fossem identicas. Da que pensar....

No meio desta banalização geral, ainda há pessoas que compreendem e utilizam as palavras de forma coerente da dimensão dos conceitos que lhes sao implicitos. Tenho sorte de conhecer 1 ou 2 delas. E isso já é muito bom.

Para mim as palavras tem um poder enorme, um poder de estabelecer rotas, estabelecer posições, ter responsabilidades, assumir compromissos.
Tambem sou da opinião que se não somos capazes de explicar uma coisa é porque não conhecemos realmente essa coisa, esse conceito, essa ideia.

No que toca a sentimentos acontece o mesmo, ninguem é capaz de os definir, mas todos somos capazes de os sentir, e de saber que os sentimos, quando sentimos e de reconhecer os seus sintomas.
Por isso definimos tudo menos o sentimento em si.

E neste sentido corremos os risco de falar com pessoas diferentes das mesmas palavras que á partida são conceitos iguais mas que afinal não são. E troca-se tudo.

Não é um discurso fatalista de que andamos todos enganados, ou que não será possivel o diálogo em que as pessoas falem das mesmas coisas. Mas é preciso ter consiencia disso.

Sou antigo, para mim a palavra ainda é muito importante, perigosa, poderosa e por isso tem que ser sincera, justa e genuina. Por isso quando digo é a sério, senão não estaria a ser justo para ninguem nem para comigo.


1 comentário:

M de M disse...

"Fico admirada quando alguém, por acaso e quase sempre
Sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
Eu sei exactamente o que é o amor. O amor é saber
Que existe uma parte de nós que nos deixou de pertencer.
O amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
De nós que não é nossa. O amor é sermos fracos.
O amor é ter medo e querer morrer."

Eu não temo as palavras, nem os sentimentos, por isso te grito: ADORO-TE